LRM para advogados.
Artigo de Alexandre Giorgio
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, é alarde comum em conversa de bar. Não é à toa que esta frase é ouvida repetidas vezes em qualquer discussão informal, mas ela nos serve bem quando o assunto é Direito, Leis, Advocacia, Justiça e Democracia; cada um tem seu lugar definido.
Quem sabe a infantil frase “Em um Estado democrático, o advogado baseia-se nas leis vigentes do país para garantir os direitos de seu cliente para que se faça a justiça.” ilustre um pouco melhor o que quero dizer.
A história que segue me fez entender com clareza o papel do advogado e do Direito na sociedade e foi importante na decisão que tomei ao optar pelo marketing jurídico.
Certa vez um amigo, ainda frequentador do bacharelado da faculdade de Direito do Largo São Francisco, estava com sua namorada em um teatro, já sentados, e à espera do início do espetáculo, quando ouviu-se uma discussão nas cadeiras ao lado. A cena era a seguinte: um casal sentado, também a postos havia um tempo, e outro casal em pé em frente ao primeiro discutindo, todos com seus respectivos ingressos válidos em mãos e coincidentemente iguais e legítimos. O que aconteceu foi que a casa de espetáculos havia emitido repetidamente, por engano, dois ingressos com mesma numeração de assentos.
A casa ia lotando, a hora do início cada vez mais se avizinhava e o calor da discussão estava aumentava na mesma proporção do volume das vozes. O que se podia ouvir era o seguinte:
- Quando você comprou o ingresso?
- Não interessa eu já estava sentado quando vocês chegaram!
- Mas nós compramos as entradas faz mais de duas semanas…
- Vocês que chegassem na hora, não temos culpa de o teatro ter vendido errado para vocês!
- Para nós não … vendeu errado para você …
- Etc etc. …
Depois de certo tempo, a acompanhante de meu dedicado amigo bacharel, e já em fase de estágio num renomado escritório de São Paulo, fazendo-se de interessada e demonstrando total desconhecimento do mundo do Direito voltou a ele a pergunta que não poderia ser respondida pelo mais alto dos juristas…
- Quem está com a razão ?
É verdade que essa é a pergunta natural cuja resposta traria alento a todos que constrangidos solidários assistiam à cena impotentes diante de tamanho entrave jurídico e que permitira a todos, ao menos, um sossego sonoro momentâneo.
Fosse o promissor advogado tomado de assalto pela história de Salomão ou quem sabe quisesse aproveitar a situação para fazer-se de grande magistrado e citar meia dúzia de leis que comprovassem uma ou outra tese de defesa, ainda que mal citadas ou até mentirosas apenas para fazer-se crescer aos olhos de sua mais recente conquista amorosa estaria incorrendo num grave erro teórico, pois trata-se de um advogado e não de um juiz, e num pecado profissional ainda maior, por não conhecer as regras daquele contrato de venda e compra, por desconhecer se tal contrato (caso exista formalizado) está de acordo com o Código Civil, Penal, de Defesa do Consumidor etc. a ainda se feria de alguma forma a Constituição Brasileira.
É claro que naquele instante nada disso passou por sua cabeça, aliás não havia sido chamado formalmente pelas partes para dar sua opinião e na realidade nem estava preocupado pois o problema nem seu era.
De fato o problema existia e as partes envolvidas estavam, com razão, desgostosas com a situação e a discussão era pertinente. Cada um com seus argumentos de qualquer maneira tinham o direito de estar sentados em seus lugares formalmente adquiridos, pagos e ainda haviam chegado dentro do horário estipulado pelo comprovante. A discussão era legítima e todos tinham o direito de reivindicar seus assentos.
Reivindicação, busca pela justiça, exercício dos direitos são termos comumente ouvidos em um Estado democrático que, conforme consta no dicionário Aurélio, “…regime de governo que se caracteriza em essência pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão equânime do poder e pelo controle da autoridade…”.
Num regime democrático a discussão por justiça e pelos direitos é possível sim mas a beleza desse tipo de manifestação e a exaltação da democracia e do Direito não vai muito além disso. Direito e Justiça não são sinônimos e nem sempre andam lado-a-lado; ainda mais quando lembramos que “demo”, sufixo de origem grega da palavra democracia, significa povo.
Segundo Roberto Lyra filho no didático “O que é Direito” da editora Brasiliense nos alerta:
“A lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise, ligada à classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo econômico na qualidade de proprietários dos meios de produção.”
Esse alerta fica ainda mais forte quando penso nas palavras do grande jurista, e companheiro de arcadas de nosso jovem protagonista, Dalmo de Abreu Dallari em obra de sua autoria e da mesma editora, “O que é Participação Política” onde nos dá a todos um “puxão de orelhas” pela omissão de participação na vida em sociedade:
“Existe hoje o reconhecimento generalizado de que o processo eleitoral pode se muito útil, embora não se deva esquecer que ele é fortemente influenciado pelo poder econômico, bem como pelas forças políticas dominantes. Isso reduz seu alcance e torna indispensável o seu aperfeiçoamento.”
Ele está certo mais uma vez.
Contudo, não é função do advogado decidir se o réu ou autor tem ou não razão ou melhor que sua reivindicação é justa ou não… quem decide isso é o juiz (jurados, árbitro etc.). O papel fundamental do advogado é representar seu cliente no sentido de tentar fazer valer os interesses dele.
Por mais preparado que seja o advogado e por mais bem feitas que sejam as leis, este é um típico caso em que a justiça não pode ser feita.
Algum representante da casa de espetáculos poderia, no máximo, oferecer outros assentos para amenizar a discussão. Fossem mais ou menos bem posicionados que os originais, ou fosse oferecida outra data, estaria havendo uma punição ou, no máximo, uma compensação pelo mal causado, mas nunca a justiça. A casa havia cometido um engano irreparável.
Mas a resposta à pergunta da companheira do nosso herói continuava no ar:
- Quem está com a razão?
A resposta foi imediata:
- Quem é meu cliente?
Esse é o verdadeiro papel do advogado: representar seu cliente e fazer valer seus interesses.
A propósito, eles não se casaram, mas ela transformou-se em uma boa cliente até hoje.
Isso é marketing.
O que aconteceu com os personagens da discussão não me lembro, mas certamente não foi justo.