Artigo sobe publicidade na advocacia
Alexandre Giorgio
Captação de clientes, propaganda, publicidade, ação de vendas, produto jurídico (tese jurídica), televisão, rádio e outdoor são termos considerados ofensivos no exercício da profissão dos advogados.
É realmente difícil imaginar um mercado que não possa fazer uso de ferramentas tão clássicas no universo da publicidade atual. Estamos todos acostumados a bombardeios diários de imagens, sons e até cheiros que reportam nosso imaginário para certo produto ou marca e aos efeitos que provocam em nossas mentes. Precisamos compreender a finalidade disso tudo, o porquê dessas técnicas que estão cada vez mais complexas e são fruto de pesquisas e estudos por milhares de profissionais e acadêmicos no mundo inteiro.
A finalidade de uma ação publicitária é levar as pessoas à compra de produtos ou serviços através da excitação dos canais do desejo e isso é extremamente importante para compreendermos melhor as bases em que foi fundado todo o Código de Ética e Disciplina da OAB (CED), no que concerne à publicidade é claro.
Quando falo em provocar o desejo das pessoas, tenhamos em mente que é muito diferente de provocar a necessidade nas pessoas. Isso não é papel da publicidade pode ser até da propaganda, que se ocupa da propagação e inculcação de idéias e ideologias, mas não da publicidade. Importante também ressaltar que não estou defendendo ou isentando a publicidade de qualquer culpa ou efeito negativo que possa causar ou fazendo-me de defensor de uma pretensa libertação dos grilhões de um imaginário CED claustrofóbico; ao contrário, respeito, compreendo e entendo a existência do Código.
Vale ainda lembrar que a obediência ao CED está intimamente ligada à observância do próprio Estatuto da Advocacia e da OAB, documento que fixa as normas de exercício da profissão, (direitos, deveres etc.), referência ao seu artigo 33. Desrespeitar o CED é transgredir o Estatuto, portanto, ferir uma lei federal.
O CED é fruto da vontade dos próprios profissionais do Direito no pleno exercício da democracia.
A conseqüência primeira de um código de auto-regulamentação e de um Estatuto regulamentar (em forma de lei) no sentido mercadológico, portanto de marketing, é promover uma reserva de mercado, ou seja, apenas podem exercer a advocacia no Brasil aquelas pessoas que são inscritas na Ordem e, para isso, é necessário percorrer os caminhos acadêmicos de entidades autorizadas e ainda submeter-se a provas que irão reconhecer o profissional perante toda a classe atribuindo-lhe um número que, desde que este profissional continue a guiar-se pelo próprio Código, irá acompanha-lo por toda sua carreira.
Não cabe portanto ao marketing ou à publicidade demandar a quem quer que seja, qualquer alteração nas regras de outra profissão. Isso seria uma ameaça ao Estado democrático de direito. Podemos conceber, portanto, que profissionais da comunicação, sejam consultados a convite da própria classe num momento de análise e revisão dos procedimentos de relação com o mercado, clientes e, até, com a sociedade em geral, uma vez que a comunicação, ou mais profundamente ainda, a semiótica, é o objeto central de estudo e “ferramenta” de trabalho, assim como são as leis e códigos para os profissionais do Direito. E só.
Recebi uma grande lição presenciando um fato que aconteceu em uma grande multinacional quando um engenheiro entrou na sala do advogado principal da companhia com um documento em mãos, um contrato qualquer, e falou apressadamente o seguinte:
“Doutor, olha, basta a sua assinatura, já revi o contrato e está tudo ok!”. Muito calma e elegantemente, o advogado respondeu ao engenheiro: “Quando eu quiser construir uma casa eu o chamarei, mas por favor, quando for fazer um contrato, me chame”. Não preciso dizer que havia “furos” enormes no contrato.
Mas, na prática, nos deparamos com uma realidade diferente, pois apesar das restrições que faz o CED, encontramos, não raro, publicidade de escritórios de advocacia em rádio e até televisão, explicitamente, em formato publicitário. Esse tipo de ação deve ser rigorosamente vigiada e os responsáveis punidos pelas Comissões e Tribunais de Ética e Disciplina, uma vez que desrespeita os colegas de classe em função de uma concorrência desleal e, se entendermos que fere o CED, antiética e até ilegal.
As mídias de massa, com ênfase na televisão aberta, rádio e outdoor estão ficando cada vez mais caras no contexto publicitário e, por isso, não raro encontramos pacotes promocionais envolvendo rádio e outdoor, revista e rádio, e assim por diante, no sentido de baratear o chamado “mix de mídia” e a tentação é grande, pois proporciona ao anunciante atingir mais pessoas, de diferentes maneiras, com um custo menor, se bem que custo menor em publicidade é uma coisa bem relativa e, de qualquer forma, está longe de ser barato ou acessível a todos.
Essa reflexão nos faz pensar na realidade mercadológica dos advogados recém formados e nos escritórios pequenos ou descapitalizados. Em um cenário em que as possibilidades de prospecção de mercado são infinitas e os meios de construção de marca estão à disposição de todos, mas não ao seu alcance, estaríamos criando uma bolha de deformação mercadológica, onde os grandes escritórios e mais endinheirados tenderiam ao crescimento, entre outras razões, pelo fato de uma construção de marca e reputação ficar muito mais facilitada, ao mesmo tempo em que legariam aos demais a mingua mercadológica e ao desaparecimento. Enfatizo que isso é uma tendência e não uma fórmula matemática; a realidade é muito mais rica e repleta de casos que contrariam qualquer regra geral.
Antes disso, outro fenômeno mercadológico entraria em cena: “Guerra de Preços”. Muito comum nos livres mercados, a guerra de preços tem duas principais conseqüências devastadoras: a primeira é o aviltamento dos preços dos serviços, conseqüência natural de quem está perdendo mercado e abaixa seus preços para viabilizar o negócio, ato contínuo, é lançado um desafio aberto à concorrência que, em situação privilegiada, tende a possuir mais fôlego para agüentar por mais tempo um prejuízo temporário até a sucumbência do outro.
A segunda e inevitável conseqüência é a deterioração dos serviços prestados. Em busca de diminuir os preços, a qualidade dos serviços é diminuída; em função da lucratividade, e até da sobrevivência, os profissionais mais preparados e caros são substituídos e os investimentos em inteligência jurídica (livros, cursos etc.) são cortados e privilegia-se a mediocridade e mais uma vez afeta o cidadão.
Anteriormente a esse raciocínio, a preocupação dos profissionais que elaboraram o CED (e dos que elaboraram o Estatuto) foi a de qualificar o exercício da advocacia como uma atividade pública e social e, ainda, considerar infração caso o profissional venha a angariar ou captar causas, com ou sem intervenção de terceiros. São esses os pontos principais, nos quais, advogar atrita com atividades mercantis com fins lucrativos.
Outro ponto de preocupação é o de evitar uma corrida desmedida e desenfreada aos tribunais em busca de pretensos direitos instigados por advogados despreparados e até mal intencionados. O CED chama a atenção dos profissionais a não levarem seus clientes a “aventuras jurídicas” ou usarem-se da lenta máquina da justiça prolongando infinitamente uma decisão desfavorável.
Certa vez tive a oportunidade de ler uma petição de um advogado onde lia-se o relato dos fatos, mas o texto resumia-se a isso, não havia em nenhuma parte do documento um pedido ou qualquer definição quanto ao ressarcimentos dos danos, legítimos ou não, causados a seu cliente.
Na livre iniciativa, onde o marketing e a publicidade imperam soberanos, sabe-se que não se pode lançar um produto no mercado sem que as conseqüências sejam meticulosamente estudadas, basicamente: produção x promoção x demanda x entrega. No âmbito do Direito, onde a justiça já anda emperrada, uma enxurrada de novas demandas jurídicas seria desastrosa, pois o sistema entraria em colapso causando mais danos do que benefícios para os cidadãos que não teriam julgadas a um tempo razoável suas contendas. Em última análise, os clientes não ficariam satisfeitos e seria um desserviço à sociedade e à imagem da advocacia.
Não gosto de previsões apocalípticas, deixo isso para Nostradamos, mas esse breve exercício de imaginação por extrapolação deixa claro que qualquer mudança radical de procedimentos deve ser longamente estudada e devidamente implementada. Como em tudo o mais na vida, nada melhor do que o equilíbrio.
Ainda sobre o livre mercado, gosto de fazer um pequeno exercício mental de provocação:
Lembre e liste 5 marcas diferentes de tênis … repita o exercício agora retirando da lista a Nike, a Reebok e Adidas.
Lembre e liste 5 nomes de consultorias de auditoria … repita o exercício, agora retirando a Deloitte, a KPMG e a Trevisan.
Para terminar, Lembre e liste 5 marcas de hastes flexíveis com pontas de algodão … repita o exercício, agora retirando a Johnson & Johnson e a York.
Cabe, portanto, ao marketing e à comunicação adaptarem-se ao CED e ao Estatuto da Advocacia e a OAB, qualquer que seja sua fase de evolução, com muita criatividade e respeito.
Na outra ponta desse processo está o cidadão comum, que permanece na ignorância de seus direitos simplesmente porque um advogado que se manifesta na grande imprensa corre o risco de ser punido por captação. Existe uma linha tênue que separa a informação enquanto serviço público, a que se deve prestar o profissional do Direito, de uma mera ação de captação de clientes. Essa linha sim, e digo isso enquanto cidadão, precisa ser melhor definida em prol do exercício da cidadania e da justiça.
No meio do caminho sempre está o processo judiciário que, por sua morosidade e sucateamento, impede tanto o caminho da justiça quanto transfere para a imagem do advogado, e da própria advocacia, uma carga negativa e depreciadora ainda que desmerecidamente. Isso, sem dúvida, precisa mudar.